Por João Francisco Raposo*
Nossa sociedade assiste a uma reorganização das relações e dos modos de agir e pensar através das plataformas da rede, representadas hoje, em sua maioria pelo que a professora e pesquisadora da USP, Beth Saad, chamou recentemente de big tech companies*: Facebook, Google, LinkedIn, Twitter, dentre outras. Na visão da autora, elas se consolidaram como locais agregadores de comunidades, de trocas de mensagens, transações comerciais e de consumo de informação mediados por sistemas algorítmicos controlados e ajustados com freqüência para a comercialização dos dados usuários. Para ela, as plataformas da rede se tornaram hoje “âncoras” de uma gama de facilidades de operações e interações que escondem interesses econômicos de empreendimentos privados com origens no Vale do Silício por trás de seu uso e de sua sociabilidade lúdica. Nossa reflexão pretende discutir aqui por que as marcas precisam estar hoje inseridas nesse ecossistema, que reconfigura a comunicação e os modos de relacionamento com seus públicos através de processos interativos, hiperconectados e que buscam o “ser/estar visível” guiados por alguns destes players digitais.
*(Nota: Hoje as principais Big Tech Companies globais já compreendem tanto conglomerados Americanos (muitas vezes conhecidos pela sigla GAFAM — Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft) quanto Chineses (da sigla BATX — Baidu, AliBaba, Tencent e Xiaomi). A denominação não se restringe a essas empresas, e tais siglas evidenciam a crescente disputa de mercado entre as duas nações e o aumento da presença da China no setor de tecnologia mundial. Tema para outras discussões…)
Nesta realidade, a pesquisadora holandesa, Jose Van Djick, em recente entrevista à publicação eletrônica DigiLabour, chamou de “plataformização da sociedade” à relação indissociável entre nossa vida digitalizada e as plataformas da rede, que hoje estão presentes em uma amplitude de ações do nosso dia-a-dia — do consumo à saude, passando pela educação e pelo transporte — criando uma relação de dependência quase inevitável entre tais estruturas digitais e nós, seus usuários/consumidores. A autora acredita também que “plataforma” é a buzz word (palavra da moda) do momento, assim como as expressões cibercultura e redes foram amplamente utilizadas em outras épocas. Podemos tentar compreender seu significado como de intermediários que criam um elo com essas empresas de tecnologia, que instituem regras próprias de um “jogo” no qual é preciso estar inevitavelmente presente hoje. Beth Saad percebe com lucidez que o vocábulo “plataforma” representa também a concentração de um conjunto de estruturas que operam hoje processos de comunicação e informação em um mesmo ambiente.
É preciso ter em mente que tais espaços, chamados comumente de “redes sociais digitais”, sobrevivem diretamente da renda da compra e venda dos dados dos usuários a anunciantes que buscam perfis de consumidores para seus produtos e/ou serviços personalizados.
É possível perceber como o surgimento e a popularização das plataformas da rede alteraram a relação das marcas com seus consumidores, antes feita em canais unilaterais e com pouca ou quase nenhuma interação: TV, rádio e mídia impressa. Hoje, por meio das comunidades de marca (as chamadas fan pages) instaladas nas plataformas online, as corporações buscam fortalecer o relacionamento e criar valor com seus públicos de interesse através do boca a boca eletrônico, também conhecido como buzz informacional, um fator bastante relevante nas decisões de consumo e no desenho de estratégias de comunicação, e favorecido pela dinâmica da rede e de suas respectivas plataformas.
O trabalho de conteúdo entre marcas — sejam elas jornalísticas ou institucionais — com suas audiências, através do ecossistema destes novos guardiões da informação da sociedade “plataformizada” e organizada por algoritmos, incentiva a propagablidade (o ato de “propagar”) através da conectividade e do engajamento dos usuários. E a atuação destes como produtores de dados e também de novos conteúdos gerados destes mesmos dados funciona como matéria-prima para a dinâmica das plataformas no contexto digitalizado em que vivemos. Tais locais possuem estruturas centradas na ação algorítmica, que vai desenhar a “melhor experiência” , buscando sugestões e recomendações de assuntos semelhantes através de históricos de interação e de engajamento.
Organizações interessadas em criar e manter conversas através de processo interativos com suas audiências se depararam com oportunidades nas comunidades online ou fan pages. Estar ali presente é fazer parte de um jogo no qual a sedução e o envolvimento do usuário funcionam como catalisadores para interações com as marcas, estabelecendo um certo tipo de contrato entre as partes.
Impossível negar que as estratégias de relacionamento com as audiências nas plataformas da rede continuam apostando na ação destas como divulgadoras para reverberar mensagens de campanhas e ações de suas empresas favoritas, que já compreenderam o qual importante é sua opinião. O usuário já parece ter tomado consciência de que a força de sua voz é capaz de influenciar e direcionar o comportamento das marcas, e ele deseja participar do que elas fazem cada vez mais. Em tempos de visibilidade digitalizada, não há um modelo para a atuação nas plataformas da rede que assegure que ele seja 100% eficaz. O que vemos é a capacidade de testar, modelar e adaptar estratégias tradicionais de marca para o ambiente digital das plataformas e dos algoritmos, através de processos que incluem a observação e o monitoramento frequente das conversas e interações, com o objetivo de transformar em dados e conteúdo os insights encontrados.
Quando Google, Facebook, Twitter, TikTok e outras tomam para si o papel de seleção, distribuição e organização da informação, controlando não só o mercado de publicidade digital, mas também o de consumo de conteúdo, temos novos modelos de negócios baseados em estratégias ditadas previamente por essas grandes empresas. Neste ecossistema, com regras e visibilidade pré-definidas, uma organização deve se adaptar a tal realidade, fazendo uso do chamado “pay to play” (ou postagens pagas, em nossa tradução), se quiser hoje ser vista e reconhecida no ambiente online das plataformas. Até porque este é o core business dessas empressas, junto com a venda de dados e de espaços a anunciantes.
Parece ser imprescindível dominar hoje o funcionamento e as regras dos algoritmos da rede para utilizá-los como aliados nos processos de comunicação das marcas, reconhecendo as plataformas como uma realidade e um lugar de experimentações para a comunicação com os usuários. Manter uma estratégia eficaz e de presenças em tais espaços custa tempo, dinheiro e investimento em uma equipe que seja capaz de traduzir os valores da empresa e os desejos dos consumidores através dos dados gerados nas dinâmicas de interação. Um modus operandi que deve considerar a importância de se trabalhar ao mesmo tempo a mídia espontânea, aquela na qual a aparição da marca ainda ocorre de modo orgânico/não pago (através dos usuários fãs ou embaixadores de marcas, por exemplo) junto da mídia própria (nos websites, blogs e apps de propriedade das marcas) e da mídia paga (com uso de influenciadores, impulsionamento de posts e compra de anúncios digitais, por exemplo) em um plano de comunicação que perpasse por essas três modalidades.
É inegável a potência do relacionamento hoje entre marcas e seus públicos nas plataformas da rede, assim como a compreensão de um fazer comunicacional “plataformizado”, que traz novas competências, novos formatos e novas possibilidades para as organizações de uma sociedade digitalizada e de conexão onipresente.
Não existe uma resposta pronta para o tema, mas acreditamos que as plataformas são hoje um lugar de conexão permanente, em uma rede de estados impermanentes (e por isso sem “receitas de bolo”), trazendo uma gama de desafios para nós, profissionais de comunicação, quando buscamos estar à frente dos processos comunicacionais das marcas em tais ambientes. Assim, é preciso um olhar que considere tais estruturas como aliadas estratégicas e como um dos personagens principais de uma realidade hiperconectada construída social e culturalmente nessas ambiências. O que vem depois disso, é impossível prever agora. Mas hoje, compreender e aceitar a dinâmica das plataformas como locais de comunicação, experimentação e relacionamento estratégico de longo prazo, é entender também o usuário e quais os caminhos mais assertivos para se chegar até ele. Pelo menos por enquanto…
*João Francisco Raposo é especialista em Comunicação Digital e doutorando pela ECA/USP, e pesquisador no grupo Com+/USP.