Por Daniela Osvald Ramos, professora no Departamento de Comunicações e Artes (CCA/ECA/USP)
Na madrugada de 30 de agosto um banco foi assaltado em Araçatuba, uma cidade de 200 mil habitantes no interior do Estado de São Paulo. O assalto foi digno de nota não tanto pelo ato em si – afinal, infelizmente a criminalidade não é uma novidade no país – , mas pela maneira como os criminosos usaram reféns como escudos humanos, amarrando cidadãos a carros ou então fazendo-os segurar no capô do carro sozinhos, sem nenhuma ajuda, gerando imagens consideradas “marcantes” e de “terror”. Na interpretação dos policiais envolvidos na operação, o uso de reféns é uma maneira de segurar a intervenção policial (lembrando que um posto policial também foi atacado horas antes ao assalto).
Na edição #166 do podcast Foro de Teresina (https://piaui.folha.uol.com.br/radio-piaui/foro-de-teresina/) lá pelas tantas chama-se a atenção para o assalto em Araçatuba como um exemplo do uso midiático com propósito terrorista: geralmente, ladrões de banco não costumam ter a preocupação de gerar imagens tão espetaculares como as que vimos. Seria uma inspiração na série espanhola La casa de papel? Qual a intenção por trás destas imagens? Isso nos leva a uma questão presente na Europa e Estados Unidos principalmente no pós-segunda guerra mundial e depois em acontecimentos como a derrubada das Torres Gêmeas: a relação simbiótica entre terrorismo e mídia. Infelizmente, esta questão começa também a nos preocupar em pleno século XXI.
Michel Wieviorka, pesquisador francês do campo da sociologia da violência, em seu livro Violence: a new approach, no qual funda uma abordagem contemporânea da sociologia da violência, principalmente para a questão da subjetividade envolvida no fenômeno, chama a atenção para esta relação simbiótica (tradução livre do inglês): “ [terroristas e mídia] tem interesses em comum porque os terroristas tem, graças principalmente à televisão, uma audiência instantânea que amplifica o impacto dos seus atos e porque, ao mesmo tempo, eles produzem um espetáculo que a mídia pode usar para satisfazer sua audiência. Na verdade, eles tem os melhores ingredientes possíveis – incluindo mortes, emoções e imagens de destruição – e operam no ponto em que política se cruza com as ´notícias de última hora’”. (2009, p. 68)
Ou seja, os terroristas e o terrorismo precisam produzir imagens que choquem porque querem capturar a atenção do noticiário para dar publicidade – tornar público – suas reivindicações políticas; e geralmente não se pautam pela lei ou pelos direitos humanos (muito pelo contrário) para gerarem essas imagens. Ainda, o autor nota que a produção do terrorismo como notícia é influenciado por vários fatores, mas o mais importante deles é a forma como um governo reage. Quando falamos em terrorismo até então estávamos falando em grupos internacionais que atacam a soberania de ou entre países. Ou, então, grupos separatistas nacionais como o ETA, na Espanha, que lançava mão de atentados para publicizar a causa da independência do País Basco.
Não é o caso do assalto em Araçatuba. E também não é mais só o caso da televisão que amplifica as imagens, mas contemporaneamente, das redes sociais, que também são ambiente para a disseminação de fotos e vídeos, tornando a mediação entre imagens de terrorismo e sua divulgação ainda mais difíceis – e temerosas. Difícil, porque o que a história recente nos mostra é que mesmo quando as mídias tradicionais só contavam com os gatekeepers, os guardiões do portão por onde passa a informação, representados pelos editores que decidiam, sozinhos, o que é notícia ou o que não é, mesmo assim, era muito difícil saber e ponderar sobre como noticiar um ataque terrorista sem colaborar com a causa dos mesmos. Acrescente-se a esta problemática as mídias sociais. As plataformas nem bem sabem banir discursos de ódio e ameaças de morte; na verdade, não se preocupam verdadeiramente em como seus negócios estão sendo usados para o aprofundamento da tática de usar a mídia como par perfeito para o terrorismo.
Atualmente, os influenciadores do ódio são formadores de opinião empoderados pelas plataformas e podem usar imagens e fatos concretos de terror de maneira a enviesar sua interpretação, porque é inerente à rede a circulação de fotos, textos e vídeos sem que o contexto onde foram geradas as acompanhem. É aí que vemos surgir a aurora de um novo fenômeno: o uso legitimado da mídia como meio de expressão para diversas violências. Esta é a cereja do bolo do assalto em questão. Não felizes em assaltar um banco e serem bem sucedidos no crime, se ocuparam também em como usar cidadãos inocentes para a produção de imagens espetaculares de terror. Durmamos (ou não) com essa.
Referências
Wieviorka, Michel. Violence: a new approach. London: Sage, 2009.
G1: Araçatuba: quadrilha obrigou refém a ligar para a PM e falar de assalto: ‘A gente está sendo escudo humano’.
G1: Araçatuba: quadrilha ataca agências bancárias e faz moradores reféns; três pessoas morreram.