Por Elizabeth Saad, coordenadora do COM+
Clubhouse – mais uma plataforma de relacionamentos, desta vez focada no áudio e nos “encontros sociais”. Confesso que a cada novidade que surge no mundo dos relacionamentos digitalizados eu vou experimentando devagar, buscando um equilíbrio com tudo o que já faço e atuo em outras plataformas. Com o Clubhouse foi um tanto diferente seja pelo buzz que provocou por aqui e, principalmente pelo convite que recebi das jornalistas-empreendedoras do The Shift – Silvia Bassi e Cristina DeLuca propondo uma conversa exatamente sobre “conversas sociais”. Também participaram como convidados o Flávio Pripas, da Redpoint e o Rodrigo Helcer, da Stillingue. Grupo interessante por suas diferentes percepções sobre o Clubhouse.
Escrevo esta pensata muito em cima de uma característica central da plataforma – ela não regitra as conversas. E aqui já temos uma reflexão sobre o efêmero que muitas vezes se estabelece nas plataformas sociais mais “moderninhas”: a perda da memória de um tema; a fluidez do tempo que, no caso, é síncrono como o deus Cronos – “o passado é passado e não retorna”. Daí que registro aqui minhas impressões após o excelente bate-papo e contribuições preciosas.
O que seria uma “conversa social”, quando uma conversa perde a sociabilidade? Pensando em como a rede digital está estruturada, havendo trocas ocorre a comunicação e, supostamente, estabelece-se um processo de sociabilidade. Quando a conversa vai para o reino das máquinas trocando entre si e da relação homem-máquina entramos num mundo de protocolos de dados e de mediações de algoritmos. Aqui, o “social” segue para um caminho de mediação modulada conforme os desejos dos construtores das plataformas e protocolos.
No caso do Clubhouse, a Silvia Bassi levantou um ponto interessante: a presença do algoritmo é um tanto imperceptível já que a constituição de salas e a participação nas mesmas se dá pela ação humana – convites, envio de links e exploração por parte dos usuários sobre os temas com ativo e entrada nos mesmos por decisão individual. Mas, penso que existe no Clubhouse uma atuação prévia e muito estruturada de algoritmos e um certo apagamento da idéia de privacidade. No estado atual da plataforma, apenas disponível para usuários de IOs, a configuração inicial já rastreia nossos contatos e relações existentes no dispositivo móvel e também nos registros de dados da própria Apple. Sim, temos mediação modulada e algoritmizada! E Ficamos no aguardo da evolução disso.
Um outro ponto foi destacado pela Cris DeLuca: muitos tem dito que o Club seria uma evolução do podcast. A Cris aponta e eu super concordo que o podcast é um sistema passivo sem conversação, escutamos quando e onde possível, mas sem qualquer interação com o conteúdo; já o Clubhouse é um sistema de conversas ativas, em tempo real com interatividade exclusivamente por voz. E isso faz uma enorme diferença na atração de participantes para as salas e nos ganhos de conhecimento coletivo. Nessa linha, surge em posição de ganha-ganha a característica de mobilidade. Podcasts e Clubhouse estão em plataformas para uso em dispositivos móveis, oferecendo ao usuário momentos de oportunidade e conveniência para acesso e relação com conteúdos.
Falando em conteúdos, é evidente que o Clubhouse possibilita a construção e participação em clusters de interesse/temáticos, colocando no mesmo espaço de áudio pessoas que potencialmente seriam de difícil acesso, seja pela distância, seja pelo grau de “celebridade”, etc. Conversas nichadas agregam e são produtivas. Apenas fica na mão de cada participante buscar seus modos próprios de absorção e avanço sobre os conteúdos que caem no efêmero da plataforma.
Uma outra característica é a transposição do hábito do conversar ao telefone para o contexto social-digital. Muito melhor, claro! Por conta disso, uma boa conversa social requer interesse, hábito e estabelecimento de rotina para acessar e explorar as conversas e a existência (formal ou não) de um mediador da sala para que se organize o papo e deste se extraia contribuições.
Mas, não estamos em céu de brigadeiro. Ainda em versão beta e, como toda plataforma, já temos relatados problemas de comercialização de convites “exclusivos”, vazamento de áudios e segurança de dados, desvios de função de uso, realização de transações de comércio, gravação paralela das conversas e outras falhas técnicas que sempre são dribladas por nerds e hackers.
A novidade ainda não permite fazer um balanço de perdas e ganhos, e muito menos de ampliação do protagonismo do Clubhouse ante seus concorrentes sociais menos audíveis. Também temos que dar um desconto pelo hype típico do perfil brasileiro de uso de ambiências sociais e hype maior ainda de alguns personagens do mundo “digital” e de pautas da mídia especializada que se encantam com o novo justamente porque é hype….Lembrando: Clubhouse é um ambiente de conversas sociais e, como toda conversa, tem de tudo.