Por Issaaf Karhawi, pesquisadora do COM+
A jornalista Maura Martins escreveu, para o Escotilha, que “parece difícil de entender porque, após 20 edições do programa, tantos sujeitos ainda topem vender suas vidas para essa máquina de moer gente chamada Big Brother Brasil”. O brilhante artigo discute o assédio psicológico e a pressão do “metaisolamento” que os participantes têm vivido.
Pensando pelo viés de quem se inscreve no programa, é preciso coragem! Mas o mergulho no desafio resulta em premiação, em fama! Enquanto isso… e a audiência? Qual a lógica que ainda sustenta a assistência do programa? Em uma semana de confinamento, o BBB21 já tem gerado, no Twitter, pedidos de expulsão e de acolhimento psicológico para participantes. A pergunta é: por que, então, o show tem que continuar?
Programas como o Big Brother Brasil, os famosos reality shows, se sustentam na lógica da visibilidade. Cenário em que não ser interceptado pelo olhar do outro é quase como não existir. Em que estar visível é imperativo. São esses mesmos mandamentos que permitiram o surgimento – e permanência – dos influenciadores digitais nas redes e que nos mantêm assistindo ao BBB.
E há mais: se antes do Instagram, do YouTube e do Twitter, a única saída possível para ser um sujeito completo – portanto, disponível para o olhar do outro – era o confinamento televisionado, com o digital, cada um de nós deve assumir as rédeas da própria visibilidade midiática. Afinal, agora, a mídia está em nossas mãos.
E nessa confusão, há ainda outro imperativo: o da autenticidade. Não à toa, buscamos por influenciadores autênticos nas redes. Porque autenticidade tem a ver com o nosso âmago, o nosso “eu” mais profundo, verdadeiro e genuíno.
Quando pessoas são confinadas em uma casa vigiada por câmeras, o que se espera delas é a revelação do íntimo, “do sujeito em seu estado mais verdadeiro”. Não é isso que ouvimos nas conversas com amigos? – “Fulano merece o prêmio porque está sendo honesto!”.
Cada prova de resistência, privação de comida e jogos da discórdia têm a função de aproximar os participantes (e nós, audiência!) dessa pedra preciosa, diamante bruto que não foi lapidado pela performance.
Sim. Porque todos performamos. Na rede e fora dela. Performance é gestão da imagem de si. Não é teatro, não é falsidade. É relação social; a escolha do que se oculta e o que se revela. Mas o digital acentua isso porque nos oferece diversas ferramentas para essa gestão. E celebridades estão sempre no controle, sempre calculando o que deve ser visto pelo outro. E o BBB impossibilita qualquer gestão da imagem “digital”.
Aí entram as assessorias dos participantes usando notas de retratação, explicando o inexplicável. Não há gestão aqui fora. O BBB é o encontro com essa “autenticidade máxima”. E, sinto decepcionar, não há saúde mental capaz de parar o programa! A produção está bem tranquila nesse sentido. Toda essa pressão só têm um objetivo: destruir performances e revelar o mais íntimo (e perturbador) dos sujeitos. É para isso que BBB existe. Na teoria (e na prática), essa edição é o epítome de todas. Objetivo alcançado com muito sucesso.
Infelizmente.
Issaaf Karhawi é mestre e doutora em Ciências da Comunicação (PPGCOM-ECA-USP). Além deste ensaio, a autora assina o artigo “Notas teóricas sobre influenciadores digitais e Big Brother Brasil visibilidade, autenticidade e motivações”, publicado pela revista E-Compós.
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