Por Daniela Osvald Ramos, pesquisadora do COM+ e professora na ECA/USP.
Uma das experiências mais fascinantes em trabalhar com ensino e pesquisa científica é a necessidade de continuar sempre apredendo e conhecendo novos pontos de vista. Às vezes engatamos em abordagens sobre fenômenos que parecem simples em um primeiro olhar, mas que na verdade guardam uma complexidade incrível se nos dispusermos a cavar além da superfície, o que é próprio da ciência. Por exemplo, a Issaaf Karhawi publicou aqui recentemente um texto super completo com referências para o aprofundamento do tema do assunto do momento, o documentário “O dilema das redes” (veja aqui).
Recentemente, tomei contato com um artigo publicado em uma revista científica de Psicologia Social, área que usualmente não pesquisamos na Comunicação Social, mas que guarda intensa ligação com a polarização que se agrava, entre outros fatores, pela mediação de filtros algorítmicos que só reforçam pontos de vista, ao invés de contradizê-los algumas vezes, de forma a equilibrar a balança. O princípio da contradição é inerente ao debate público, o que, por sua vez, é inerente ao exercício e manutenção da democracia. Jürgen Habermas tem uma obra vasta sobre este assunto e sobre a importância da “razão argumentativa” no processo da possibilidade de contato com o contraditório para a formação de consensos que possam promover um ambiente saudável para o o exercício democrático das instituições e atores sociais.
Mas e que tal artigo é esse do journal de psicologia? Então, neste artigo (em inglês, link no final do texto), intitulado “The Triple-Filter Bubble: Using Agent-Based Modelling to Test a Meta-Theoretical Framework for the Emergence of Filter Bubbles and Echo Chambers.”, que podemos traduzir como “O triplo filtro da bolha: usando modelagem baseada em agentes para testar uma estrutura meta-teórica do surgimento de filtros bolhas e câmaras de eco”. Nesta pesquisa, os autores desenvolvem uma abordagem que integra outros aspectos além do tecnológico para a compreensão do fenômeno da polarização e extremismo que está muito visível nas redes sociais e que “O Dilema das Redes” retrata tão bem. Esse modelo leva em conta três tipos de filtros: filtros de ordem individual (crenças pré-existentes, por exemplo), filtros sociais (posição social pode ser um fatos decisivo) e o famoso filtro tecnológico.
Esta abordagem é inovadora e pode alargar nosso espectro de compreensão sobre a polarização e, por isso, ser mais integradora e menos reducionista. No entanto, há precedentes igualmente inovadores na Ciências Sociais. Muitos anos antes de tudo isso, em 1969, o antropológo Edward Hall publicou um livro intitulado “A dimensão oculta”, no qual estudava o problema da compreensão do papel do espaço na comunicação a partir de três noções distintas de distância: íntima, pessoal, social e pública.
Ele definiu essa área como “proxêmica”, o estudo dos diferentes tipos de uso que o homem faz do espaço, e as diferenças culturais entre estes usos. Diferentes culturas definem de forma igualmente diferente o que é aceitável ou não em termos de distância íntima, pessoal, social e pública (nota mental: estamos, como brasileiros, sendo forçados a reformular nossa experiência de distância social em razão da pandemia do Covid19). Na internet todos os espaços são íntimos, pessoais e públicos ao mesmo tempo, o que dificulta sobremaneira uma diferenciação cultural que aprendemos e trazemos (ainda) do espaço físico, como por exemplo moderar a linguagem em debates políticos e preservar o bom senso e a educação ao invés da agressão, ameaças, e linguagem de baixo calão. Hall também sublinhou a existência de bolhas sociais (como o filtro social do artigo citado), que influenciariam o repertório de comunicação e que naquela época ainda estavam circunscritos apenas a territórios físicos, como frequentar certos lugares, escolas, mora em um certo bairro, etc.
Vamos sair da internet para compreender a internet? Fica aqui o link para o artigo:
Geschke, Daniel, Lorenz, Jan & Holtz, Peter (2018). “The Triple-Filter Bubble: Using Agent-Based Modelling to Test a Meta-Theoretical Framework for the Emergence of Filter Bubbles and Echo Chambers.” British Journal of Social Psychology.