Por João Francisco Raposo*
Muita gente ainda estranha quando resolvo abordar o assunto pra falar de Comunicação. Mas pra quem já está há algum tempo no mercado e na academia não é algo tão novo assim. No dia-a-dia ouvimos falar com frequência em algoritmo do Facebook, algoritmo do Youtube, algoritmo do Instagram… Algoritmo disso, algoritmo daquilo… Por que se fala tanto, mas sabemos tão pouco desses curadores e guardiões de informação do mundo digitalizado?
O documentário de 2013 “Terms and Conditions May Apply”, do ditetor americano Cullen Hoback, já investigava o acesso do governo dos EUA e das grandes corporações da era digital (Google, Facebook, Apple, Spotify, Amazon…) aos dados e rastros dos usuários da internet assim que aceitam um termo de uso de um de seus serviços. Uma realidade de rastreio, filtragem e personalização de conteúdo que o autor Eli Pariser já debatia e propunha reflexões em sua obra prima literária de 2011, “O filtro invisível: O que a internet está escondendo de você”. Vivemos hoje em uma rede com um turbilhão informacional a cada minuto, e nos encontramos não mais on nem off line, mas ALL LINE, 24h por dia, 7 dias por semana, com nossos dispositivos eletrônicos e perfis de redes sociais hiperconectados durante todo tempo, até mesmo enquanto dormimos. Nesta realidade, estes agentes matemáticos colaboram na seleção e organização de todos os dados gerados, e, sem eles, não seria possível navegar em meio a tanto conteúdo disperso e oferecido através de nossos rastros, buscas e consumo on line. E o assunto exige que nós, comunicadores, saibamos hoje como estes mecanismos funcionam na hora de traçar uma estratégia comunicacional, buscando usufruir dos algoritmos a nosso favor. Mas o que é um algoritmo?
São várias as definições existentes, e, de modo geral, podemos entender o algoritmo como um passo a passo computacional, um código de programação executado de modo periódico, um procedimento de máquinas e/ou homens que busca a personalização (como já diziam Saad e Bertocchi em 2013). Podemos pensar também num conjunto de instruções precisas para um computador executar um mesmo resultado (de acordo com o autor Pedro Domingues). Para tentar exemplificar, um “algoritmo para trabalhar pela manhã” consiste em percorrer um determinado caminho: 1. acordar, 2. tomar café da manhã, 3. tomar banho, 4. vestir-se, 5. tirar o carro da garagem, 6. ir para o trabalho. Cada etapa constitui parte do objetivo principal “trabalhar pela manhã” e, quando falamos em algoritmos de machine learning (ou no aprendizado da máquina, muito comum hoje nas plataformas da rede como o Facebook, por exemplo), toda a mudança naquele percurso para atingir a meta será aprendida pelo código, que se adaptará a essa(s) nova(s) etapa(s) quantas vezes forem necessárias.
Não é difícil perceber como hoje os algoritmos já fazem parte da nossa rotina e das nossas escolhas de consumo social e cultural. Em nossos serviços de streaming de música — Spotify, Apple Music, Deezer — que selecionam e criam listas personalizadas de músicas a cada um de nós baseados no que ouvimos e nos gêneros/artistas que gostamos de ouvir. Nos serviços de consumo de conteúdo audiovisual — Netflix, Prime Video, Hulu — que sugerem filmes e séries analisando o que já assistimos e o que pode ser “potencialmente” do nosso gosto também. No e-commerce — Amazon, AliBaba, Magazine Luiza, Submarino — que oferecem produtos similares aos que já compramos em seus respectivos market places com o famoso “você também pode gostar de…”. Sem falar nos buscadores da rede, como Google, Bing, Ask, Baidu; nos grandes grupos de mídia como New York Times, Washigton Post, Folha de S. Paulo; enas plataformas de mídias sociais como Facebook, Instagram, YouTube, Pinterest, LinkedIn, Twitter e demais. Estas últimas oferecem “acesso grátis” a seus ecossistemas digitais em troca de algo que foi chamado pela revista The Economist em 2017 de “o novo petróleo”: nossos dados! Atualmente, desde a previsão de penas da justiça americana (como faz a empresa Equivant), passando por estimativas de valores de planos de saúde (como da empresa BlueCross Blue Shield) até a vigilância de agências do governo, como a NSA, ou do sistema de reconhecimento facial da Polícia da Bahia, tudo passa por algum tipo de sistema algorítmico que colabora na filtragem e na obtenção de resultados pela previsibilidade e padronização de resultados em busca da racionalização das ações do ser humano.
E a tendência é que tudo isso se amplifique com o desenvolvimento de inteligências artificiais mais poderosas e com a chegada da Internet das Coisas (a tecnologia que promete tornar casas, empresas e cidades inteiras mais inteligentes e hiperconectadas à rede).
Na web, são diferentes algoritmos, mas com um mesmo objetivo: selecionar e oferecer o conteúdo mais “relevante” (de acordo com os critérios de julgamento do algoritmo, lógico) e personalizado a cada usuário através de suas pegadas digitais deixadas em clicks, curtidas, sites visitados, produtos comprados, etc. Uma “matematização” do nosso comportamento social digital que se alimenta e gera padrões, preferências, categorizações e, principalmente, personalização do que é, foi e será consumido na rede. Nas plataformas da web como Twitter, Facebook e demais, nossas curtidas, compartilhamentos, comentários e interações através das “carinhas” de sentimentos, por exemplo, geram o que chamamos de engajamento, a força motriz dos algoritmos para definir o que vai ser visto e o que é relevante (ou não). Nas plataformas de mídias sociais, por exemplo, quanto mais nos engajamos, ou seja, quanto mais curtimos, comentamos, compartilhamos ou retuítamos algo, mais seus respectivos algoritmos entendem esses conteúdos como pertinentes e mais o fazem circular por suas timelines e feeds para mais e mais usuários. É por isso que tanto se fala em engajar e convencer os usuários a participar das conversas nas plataformas de mídias sociais. E com players como o Facebook reduzindo cada vez mais o alcance das postagens de marcas, muito mais que aprender a programar, é preciso compreender como nós, comunicadores, somos somos capazes de usufruir destes códigos como aliados estratégicos, conhecendo seu funcionamento na hora de criar e executar um plano de comunicação e marketing digital.
Por isso hoje algoritmos têm tudo a ver com Comunicação! Como criadores de conteúdo, gestores de marca ou compradores de espaços de mídia na rede, faz-se extremamente necessário desenvolver novas habilidades para compreender o ecossistema algorítmico, aprendendo a visualizar dados, reconhecendo padrões ou trabalhando com modelos estatísticos (SIM!) para saber o que fazer estrategicamente com toda essa informação para a experiência de consumo dos usuários . Quais os melhores dados para a estratégia da minha marca? O que eles querem dizer? Como aplicá-los? Perguntas imprescindíveis e que precisam fazer parte desse novo cabedal do profissional de comunicação, mas que ainda hoje, infelizmente, não pertencem aos modelos de ensino tradicional das grades das universidades.
É necessário estar atento e respeitar as pistas sociais digitais dos usuários como parte (ou foco) de uma boa estratégia de comunicação, monitorando-os para dialogar e criar ações reativas e proativas para atingir nossos objetivos. Os dados falam (e vão falar sempre) se estivermos dispostos e aprendermos a escutá-los! E os algoritmos podem nos ajudar (e muito!) nesta tarefa.
O tema é bastante extenso, e não quero simplificá-lo por aqui. Sua importância hoje perpassa também por discussões extremamente importantes como a seleção social da informação (quem escolhe hoje o que consumimos?), a formação de filtros bolha na rede (feeds e timelines sempre com o mesmo tipo de conteúdo), a privacidade digital (ou o fim dela?), a opacidade dos códigos dos sistemas algoritmos e a reconstrução dos modos de pensar e agir, dentre tantos outros da economia política dos dados. Assuntos necessários para outros posts e outras discussões, e, por isso, registro aqui o meu pedido de mais debate e mais educação sobre a dinâmica algorítmica, contando também com legislações que possam amparar nossa sociedade do abuso das grandes corporações digitais — sejam elas transnacionais ou não — sobre o uso dos nossos dados e, principalmente com projetos que façam os algoritmos trabalhar mais para os seres humanos do que o contrário, em um relação que leve a uma revolução digital verdadeiramente positiva e justa em termos sociais e culturais. Algumas leis como a GDRP Europeia (General Data Protection Regulation) e nossa LGDP já avançam no tema, mas ainda falta um longo caminho de debate…
Por tudo isso, por favor: precisamos falar (mais) sobre algoritmos.
*João Francisco Raposo é especialista em Comunicação Digital e doutorando pela ECA/USP, e pesquisador no grupo Com+/USP.
(Texto originalmente publicado no MEDIUM)